Helder Tabosa Delfino – consultor de marketing político que trabalhou na campanha de Nozinho Correa em Linhares.
"O marketing não é uma batalha de produtos, é uma batalha de percepções" (Al Ries)
Uma das eleições que mais chamou a atenção do mercado político capixaba este ano foi a disputa pela prefeitura de Linhares, no norte do Estado. A vitória do pedetista Nozinho Correa colocou fim a uma alternância de poder entre Guerino Zanon (PMDB) e José Carlos Elias (PTB).
A vitória de Nozinho, porém, não foi fácil, uma disputa apertada se travou durante toca a campanha. Mas depois de quatro tentativas, o candidato do PDT, apoiado em uma estratégia de marketing muito forte, conseguiu vencer a eleição.
Nesta entrevista, o consultor de marketing político, Helder Tabosa Delfino, que trabalhou na campanha de Nozinho, explica as estratégias adotadas pela empresa Brand Marketing e Pesquisa, para desconstruir uma imagem enraizada no imaginário popular linharense e convencer o eleitor de que Nozinho era a melhor opção para administrar a cidade. Confira a entrevista.
Século Diário – O cenário em Linhares contava com a candidatura do prefeito atual Guerino Zanon (PMDB), do deputado estadual José Carlos Elias (PTB), de outras lideranças novas e a de Nozinho Correa (PDT), que já havia disputado outras quatro vezes. Como começou o trabalho?
Helder Tabosa Delfino – Nós fizemos uma campanha com uma empresa chamada Brand Marketing e Pesquisas e tínhamos quatro profissionais nessa empresa. Eu, que tenho essa especialização na área de marketing político; o Lucas Margotto, que é analista de cenários políticos e especialista em pesquisas; a Rita Cunha, que é uma publicitária bastante experiente do litoral paulista, e o professor César Albenes, que é especialista em políticas públicas, coordenador do mestrado em políticas públicas da Emescam. Bem, a primeira coisa que nós fizemos foi tentar entender quem era o Nozinho e quem eram os nossos adversários. Para isso, fizemos vários briefings com as famílias, amigos, aliados, com o grupo político. Fizemos uma investigação mais detalhada para saber o perfil dos nossos adversários e o nosso trabalho sempre foi pautado em pesquisas, começamos logo depois do carnaval a fazer pesquisas no município, para tentar entender a impressão do eleitor de Linhares sobre cada um dos candidatos. Nós percebemos, logo no início, que havia uma imagem do Nozinho muito distorcida da realidade. Ele era conhecido como um fazendeiro, meio coronel, uma pessoa autoritária, violenta, e a gente precisava desconstruir essa imagem. Porque as pesquisas mostravam que as pessoas queriam mudança, essa é uma tendência nacional. Mas ao mesmo tempo, elas não enxergavam no Nozinho essa pessoa ideal para ocupar aquele cargo.
– Até porque, quando se fala em mudança, logo se pensa em uma liderança política nova no cenário. E Nozinho já faz parte da vida política do município, não é?
– Ele não representava esse novo, ele já havia sido vice-prefeito. Então, nós tivemos um trabalho de desconstruir essa imagem do Nozinho que havia sido construída nas outras quatro tentativas dele. Não sei se por falha nas campanhas passadas, mas essa imagem foi se enraizando no coletivo. E as pesquisas também diziam, desde o início, que as pessoas queriam que o próximo prefeito fosse um bom administrador. E nós percebemos que o Nozinho era de fato um bom administrador. Embora sem a formação acadêmica, mas era um bom administrador.
– É ele mesmo quem cuida das empresas...
– É ele mesmo. É um empresário de muito sucesso nos empreendimentos dele. Então, o que nós fizemos no início da campanha foi incutir na cabeça das pessoas o reconhecimento de que ele era de fato esse bom administrador. Colocamos isso no jingle, no programa de TV e rádio. Ao longo da campanha, fizemos mais de 30 pesquisas e essas pesquisas mostraram que essa imagem foi mudando. Percebemos também que entre os nossos adversários, o único que realmente tinha condições de competir com Nozinho era o prefeito atual, Guerino Zanon, e inclusive o víamos como um candidato muito forte. O deputado José Carlos Elias (PTB) sofreu um desgaste no início de sua campanha com aquela situação de ser ou não candidato, isso provocou realmente um impacto. E percebemos que a tendência era a de que a campanha ficasse polarizada, como polarizou. Descobrimos também que a cidade tinha uma grande mágoa da administração atual, mesmo sendo uma administração muito bem avaliada, mas na questão da saúde e da segurança pública havia feridas abertas e adotamos aquela tática do boxeador. Quando o adversário tem um corte no supercílio, você passa a bater só ali. Foi isso que nós fizemos, batemos nos pontos fracos.
– Como foi feito o trabalho de desconstrução da imagem do Nozinho, que como você mesmo disse, já estava enraizada?
– Foram várias ações. A forma como ele passou a se vestir – como um administrador e não como um fazendeiro – e a se comportar como um administrador, fizemos imagens dele reunido com executivos, de gravata, mostrando que no dia a dia, ele se relaciona com pessoas assim. É um homem que negocia volumes de carnes com frigoríficos de outros estados, então ele transita nesse meio empresarial.
– Linhares tem o programa de TV, isso ajudou, não é?
– Ajudou, embora o espaço fosse reduzido, tínhamos três minutos e nosso adversário tinha 16 minutos. Foi um esforço desumano para mostrar tudo que a gente queria. Na verdade não desconstruímos a imagem de Nozinho mostrando um personagem falso. Construímos mostrando uma imagem verdadeira, um lado dele que o eleitor não conhecia. Ao contrário dessa imagem, ele é uma pessoa extremamente carinhosa, um homem humilde, uma pessoa que tem qualidades que nós mesmos não conhecíamos. Ele se relaciona muito bem com o eleitor, independentemente da classe social. Isso facilitou bastante, porque essa é uma outra tendência nacional, a busca pelos iguais. Aquela história do Joãozinho Trinta, de que pobre vota em rico, não existe mais. De 20 anos para cá, isso tem mudado muito. E a cada dois anos, o eleitor muda a sua percepção do cenário político. Nós analisamos muito o que não foi feito nas campanhas passadas e tentamos fazer uma campanha totalmente diferente. Isso com teorias acadêmicas, sempre norteados por pesquisas. Não existe marketing político sem pesquisa, é achismo. Também fizemos uma campanha profissionalizada, montamos uma empresa, com organograma, planejamento, ações definidas, cronograma, e fomos implementamos um conjunto de estratégias de acordo com o que as pesquisas mostravam.
– Também houve o desgaste do cenário...
– Percebemos que havia um desgaste do grupo do José Carlos, que estava há 20 anos no poder. Existia um sentimento muito forte por mudança, embora nos percebemos e reconhecemos que a administração é bem avaliada. Mas colocamos nosso candidato mais próximo do anseio popular. Fizemos um monitoramento bairro a bairro para medir o desempenho do candidato. Na reta final da campanha, procuramos uma grande arrancada para mudar o jeito que as pessoas estavam percebendo a campanha. No Brasil ainda existe muito forte a questão do voto útil e na reta final tínhamos uma média de 10 a 12% de indecisos e muitos desses indecisos acabam se definindo por uma impressão, por aquele candidato que ele acha que vai ganhar a eleição. Sabíamos que estávamos na frente, por uma diferença pequena, mas estávamos. Então, precisávamos colocar na cabeça das pessoas que Nozinho iria mesmo ganhar a eleição. E para isso fizemos uma arrancada final. Fizemos um novo jingle, mais para cima, um axé, a nossa comunicação visual passou a destacar mais o número, imprimimos um plano de governo que foi mostrado mais na reta final. Como o Nozinho não tinha muita habilidade com a televisão e o nosso adversário era muito bom, então buscamos não expô-lo em demasia na televisão, e trocamos a participação dele por depoimentos de pessoas da cidade.
– Em um determinado ponto da disputa, criou-se a imagem da eleição do erudito contra o iletrado, e dentro desse contexto, se dizia no município que Nozinho não participava de debates porque não tinha condições. Aí, ele apareceu no último debate e respondeu à altura. Como foi esse processo?
– No início da campanha percebemos que Nozinho precisava adquirir muito conhecimento, principalmente sobre gestão pública. Então, fizemos um treinamento com ele, com vários profissionais, toda segunda-feira fazíamos isso, na parte da manhã, e ele foi adquirindo conhecimento sobre a economia do município, números da administração. No início da campanha, acreditávamos que ele não estava preparado para o debate, era preciso resguardá-lo para o final. Até porque o adversário dele era muito preparado, é o atual prefeito, foi deputado estadual, presidente da Assembleia. Não estaríamos debatendo com uma pessoa sem conhecimento. Precisávamos preparar o Nozinho para esse debate, e abrimos mão no início da nossa participação, mas ressaltando que todas as vezes que ele não participou, monitoramos essa ausência para ver qual era o impacto e percebemos que a população não deu tanta importância ao fato de ele não participar de alguns debates. Procuramos não expô-lo na TV e deixamos que ele atuasse em um campo que ele é muito bom, que é o contato direto com o eleitor na rua.
– Mas quando ele participou, foi muito bem.
– Nós participamos de dois debates na reta final. E ele demonstrou um conhecimento muito grande sobre o município. O Nozinho tem uma visão muito ampla de que precisa ter uma equipe qualificada. Quer dizer, para ser prefeito não precisa entender de saúde, precisa ter a humildade necessária para contratar um especialista em saúde. E essa humildade ele tem. Com a característica de bom administrador aliada a essa humildade, eu não tenho dúvida de que ele será um excelente prefeito.
– E como foi a história do "HH"?
– Essa foi uma dica de um colaborador. Quando Nozinho foi ao debate, ficamos preocupados que ele se enrolasse com siglas. Então sugerimos que se ele tivesse dificuldade lançasse mão dessa sigla "HH", homem honesto. E ele foi muito bem. Disse que não poderia prometer que não haveria corrupção em seu governo, mas que se descobrisse de manhã que um secretário havia cometido um deslize, à tarde estaria demitido. E a história do "HH" acabou virando um bordão.
– É verdade que foi contratado até um especialista em neurolinguística para ajudá-lo?
– Sim. Ele tinha uma certa timidez ao enfrentar a televisão. Ele falava muito bem nas reuniões sobre administração, mas quando tinha que gravar para a televisão... e com muita gente isso acontece, é normal. Então, precisávamos quebrar essa resistência e, com certeza, isso ajudou muito a desenvoltura dele no vídeo, porque é mais importante a imagem do que o conteúdo. A impressão de segurança no que está dizendo é muito importante. Mas é importante destacar que nós não pegamos o Nozinho totalmente sem qualquer conhecimento. Ele era uma cara que vinha de quatro campanhas, e cada campanha dessas é um conjunto de conhecimento que ele foi adquirindo. Chega uma hora que o cara vai ficar muito bom. Na verdade, não fomos nós que tornamos o Nozinho prefeito. Para você fazer um prefeito, você precisa ter um candidato muito bom. O que você pode fazer é potencializar. Colocar essas ferramentas do marketing político para que você possa maximizar a sua campanha. Não tem mágica. O eleitor fala: eu quero um candidato assim, o que você tem que fazer é aproximar o seu candidato daquele perfil. Uma coisa que nos preocupou foi que a dianteira do Nozinho nunca foi muito grande em relação ao adversário...
– Mas quando houve aquele comício em Interlagos, que reuniu 10 mil pessoas, vocês já sabiam que a vitória estaria consolidada, não é?
– Naquele comício, foi o momento em que tínhamos a menor diferença nas pesquisas. E naquele momento nós tínhamos 14% de indecisos. Interlagos foi onde começamos a campanha e é o maior colégio eleitoral de Linhares. Tem 30 mil habitantes. Era um eleitorado muito favorável a Nozinho e lá estava o maior número de indecisos. Precisávamos mexer com aquele eleitorado, mostrar que nós realmente iríamos ganhar a eleição. Pelo que se comenta no mercado capixaba, aquele foi o maior comício realizado na eleição de 2012. Ele foi um comício muito bem planejado, a equipe local teve um papel importante, os vereadores tiveram um papel importante. E isso vale destacar, o marketing político se apoia em dois pilares, em pesquisa e em conhecimento local. Então, a equipe local tem que trabalhar ao lado do marketing.
– As pesquisas publicadas nos jornais sempre davam o prefeito na frente. Como vocês lidaram com essa informação no município.
– A Futura publicou duas pesquisas, uma dando o Nozinho na frente, com 6% e a outra já mostrava o Zanon na frente. Bem, buscamos trabalhar com o benefício da dúvida. Nós não acreditávamos naquela diferença, porque fazíamos pesquisas semanalmente e para nós interessava os números que nós tínhamos. Toda vez que a Futura ou a Enquet tentaram publicar uma pesquisa em Linhares, nós conseguimos impugnar judicialmente, porque tínhamos medo que essas pesquisas mostrassem o adversário na frente, e nós sabíamos que ele não estava, e que esse fato mexesse no indeciso.
– Esse é o grande problema da pesquisa que é vinculada a veículo de comunicação, porque ela influencia...
– Existe um grande erro no que tange à legislação eleitoral. Quando você vai fazer uma pesquisa para ser publicada, você acaba dizendo que dia e onde será feita a pesquisa. Então, fica muito fácil para o adversário ou para a pessoa que encomendou a pesquisa contaminar esse levantamento. Você coloca mil pessoas no bairro que está sendo pesquisado e mexe com o resultado da pesquisa. E a pesquisa de trabalho acontece no anonimato, por isso sabíamos que esses números são muito mais fidedignos. A eleição é uma guerra em que se travam várias batalhas. Existe uma batalha sendo travada no campo da estratégia política e existe uma outra batalha sendo travada no campo jurídico. As pesquisas, sabíamos, teríamos que travar uma batalha no campo jurídico, mas tínhamos um grupo de advogados muito bom e as coisas acabaram dando certo.
– Nozinho Correa não é a sua primeira experiência eleitoral, não é? Como é atuação da empresa no Estado?
– Como eu falei, a empresa é a Brand Marketing e Pesquisa, que reúne profissionais que têm conhecimentos em eleição. A empresa começou no início do ano. O Lucas tem uma pesquisa de quase 20 anos em pesquisas eleitorais. Temos a Rita Cunha, que é essa publicitária, que atua há quase 30 anos, e eu também tenho uma experiência de 32 anos em campanhas eleitorais. Tenho formação acadêmica nessa área, atuei em mais de 50 campanhas. Sabíamos que Linhares seria uma vitrine. É um dos municípios mais importantes da eleição. É uma eleição cara e a gente atuava em municípios menores, em outros estados também, mas precisávamos atuar em um grande município para firmar posição no mercado capixaba, como uma alternativa de marketing político. Até porque é um mercado muito restrito, e muitos candidatos ficavam se ter uma referência. Linhares foi para nós um aprendizado, mas principalmente uma vitrine. Inclusive, quando terminou a eleição de Linhares, começamos a receber ligação de candidatos que já estão pleiteando candidaturas para daqui a dois anos.
– E como viu a campanha eleitoral no Espírito Santo de uma forma geral?
– Uma coisa é certa, existe esse clamor nacional por mudança. Percebo que os que conseguiram aproximar seus candidatos desse clamor nacional, aliado a essa tendência de votar na pessoa que mais se aproxima com uma identidade, mais parecidas com o eleitor, se deram bem. Veja o caso do Juninho (PPS), em Cariacica. Porque existe um certo descrédito com a classe política.
– Existe também uma rejeição a quem já passou pelo poder...
– Existe porque as pessoas estão muito indignadas. O eleitor perdoa muito. Perdoa corrupção, falta de competência. Mas tem uma coisa que o eleitor não perdoa, que é a ausência. Muitos políticos, a partir do momento em que são eleitos, passam a adotar uma certa arrogância e essa nova condição, o que vai afastando o político do povo e o povo não está perdoando isso. O gestor que faz isso, o que deixa para fazer obra no final do mandato, esse cara está morto, não há mais lugar para esse tipo de político. Existe uma mudança muito grande na forma como o eleitor enxerga seus governantes. Muitos políticos ainda estão nessa de acreditar que porque sempre disputou de uma determinada forma, vão conseguir se eleger. E essas pessoas estão perdendo mandato. Grandes figurões da política nacional perderam o mandato agora. Grandes influências, que a gente imaginava que fossem muito fortes, foi mostrado que não são tão fortes assim. O povo parou de dar atenção a esses líderes políticos que chegam em uma determinada região e dizem: “eu quero que você vote neste candidato”. Os estudos acadêmicos mostram que a população não quer mais ficar dando oportunidade, ela se influencia muito mais pela informação dada por um vizinho, por uma pessoa da comunidade, do que por um líder religioso ou um grande cacique político.
– E parte da classe política não percebe isso. Insiste nessa velha fórmula desgastada.
– Eu percebo que é preciso mudar o sistema político aplicado nas eleições no Brasil todo. Há sempre uma mesma fórmula, uma mesma receita de bolo, a mesma logomarca. O que é uma logomarca? É o símbolo de um conceito. Os mesmo slogans, os mesmo vídeos, jingles. Essas peças de campanha muito iguais, que servem para vários candidatos, quando na verdade em uma campanha você precisa customizar. As novas teses de marketing dizem que as estratégias servem para aquele candidato, para aquele local, e para a aquele momento. A cada eleição isso deve mudar. Essa escola de marketing que eu sigo, que é difundida no País por Carlos Manhanelle, mostra isso. Eu percebo que as campanhas no Espírito Santo e no País estão muito iguais.
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