Apesar da arrecadação, cidades têm problemas de infraestrutura. Moradores contam os pontos positivos e negativos trazidos pelo petróleo.
As cidades produtoras de petróleo no Norte do estado do Rio de Janeiro passaram por mudanças significativas nos últimos 40 anos. Municípios que tinham a pesca e a agricultura entre as principais atividades, como Macaé, ou o cultivo da cana de açúcar, como Campos dos Goytacazes, sofreram alterações bruscas para atender à nova demanda vinda da extração do petróleo. A atividade é o centro da disputa pela distribuição de royalties, que gerou protestos dos estados produtores depois da aprovação no Congresso de um projeto de lei que determina novas regras.
Entre 1978, ano em que a Petrobras escolheu Macaé para ser sua sede na Bacia de Campos, e 2010, a população da cidade aumentou 4 vezes. Saiu de 47 mil habitantes para uma população de 206 mil, nos dias de hoje. Isso sem contar os milhares de flutuantes que circulam todos os dias pela cidade.Os royalties são uma compensação financeira que as empresas que exploram e produzem petróleo e gás natural precisam pagar ao Estado.
“Lembro que antigamente aqui era um lugar que funcionava como um curral de bois. Era muito divertido, mas depois que a Petrobras chegou teve uma mudança muito grande. O comércio aumentou e a cidade cresceu”, conta um dos mais antigos comerciantes de Macaé, José Martins, de 69 anos.
Pela característica do trabalho com petróleo, muitos dos funcionários são originários de outros estados. A atividade off-shore, na qual os trabalhadores ficam embarcados nas plataformas durante muitos dias, permite que eles morem fora para somente se concentrar na região na véspera do início de sua escala, quando viajam rumo ao oceano.
“Se o petróleo acabar, acaba Macaé", opina Martins. "Antigamente tinham fábricas de tamanco, de roupa, que hoje não existem mais. Acho que é preciso apostar em outros incentivos para novos investimentos, pois se acabar o petróleo, Macaé vai se tornar um hospital em estágio terminal”, diz.
O reflexo do aumento populacional provocado pela produção do petróleo também é percebido nas ruas de Campos dos Goytacazes. Segundo os registros mais antigos do Detran, no ano de 2001, a frota de veículos da cidade era de quase 86 mil veículos. Até outubro de 2012, o número já chega a 180 mil. Com o aumento do número de veículos também aumentam o número de acidentes e de investimentos necessários nas vias da cidade.
O dia a dia da população local mudou de tal maneira que é motivo de pesquisas. O cientista social e doutor em Planejamento do Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense (UFF) José Luis Vianna estudou o fenômeno do crescimento desgovernado nas cidades petroleiras. Para ele, a falta de qualificação da população local e de desenvolvimento planejado criou um caos urbano.
“O que vemos é o aumento vertiginoso do número de favelas, da pobreza, da exclusão e da violência, sem que a administração pública acompanhasse a demanda de infraestrutura e serviços urbanos gerados pelo aumento de população”, destaca
“Antigamente tinha mais tranquilidade e podia até deixar o portão aberto, agora é diferente, mudou muita coisa aqui em Campos", diz o aposentado e comerciante Amaro do Rosário, de 73 anos, que nasceu em Campos e viu as modificações até os dias atuais. "Gerou mais emprego, mas veio muita gente de fora morar aqui e a criminalidade aumentou também", avalia.
De Macaé, a professora Rosa Dias, de 45 anos, acredita que o crescimento rápido levou à marginalização de parte da população. “O pobre, o menos favorecido sofre porque o custo de vida é baseado no petroleiro, mas a maioria não é e fica à margem", diz ela.
De acordo com o Censo do IBGE, em 2010, 36 mil habitantes da cidade moravam em domicílios particulares localizados nos chamados conglomerados subnormais -- que são conjuntos carentes de serviços públicos essenciais, que também podem ser entendidos como favelas ou invasões. "Ainda vemos pobreza ao extremo, com gente cozinhando no fogo a lenha no meio da rua. Antes todo mundo tinha nível de vida parecido, hoje ou se paga aluguel, ou se come”, diz Rosa.
Economia aquecida
Em Campos, a renda dos trabalhadores do petróleo provocou várias consequências como, por exemplo, o aquecimento do comércio, estímulo da construção civil, e do setor de transporte, sem contar com a expansão das unidades de ensino públicas e privadas que atendem a um público de cerca de 25 mil estudantes e transformaram a cidade em polo estudantil.
Um dos exemplos do crescimento de oportunidades é o de um dos dos filhos do aposentado Amaro. Leandro Rosário, de 33 anos, mudou-se para a capital fluminense em busca de emprego. Seis anos depois, com o aquecimento do mercado de petróleo, voltou à sua cidade natal. “Me formei no Instituto Federal Fluminense (IFF) no curso de mecânica industrial, mas na época não achei emprego aqui", relata. "Não me arrependo e sei que fiz a melhor escolha em ter voltado para a minha cidade, pois o retorno financeiro e a qualidade de vida valeram a pena”, diz.
O mesmo aconteceu em Macaé. O setor de serviços aumentou e as universidades federais chegaram. Todavia, mesmo com todos os recursos advindos dos royalties, em alguns bairros ainda faltam tratamento de esgoto e água encanada. De acordo com o Censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), pobreza na cidade atingia 14,65% da população. Mais de 13 mil pessoas com 15 anos ou mais não sabem ler e escrever.
Além do básico para funcionamento da indústria petrolífera, as localidades têm de oferecer infraestrutura para receber diariamente milhares de pessoas vindas de outros estados para servir como mão-de-obra. Muitos se instalam em cidades vizinhas, mas continuam dependendo dos serviços oferecidos nas cidades consideradas polos.
“A massa trabalhadora da atividade de petróleo da nossa cidade vem de Campos, Quissamã, Casimiro de Abreu, Cabo Frio, Conceição de Macabu e Rio das Ostras. Mais de 50 mil pessoas diariamente entram e saem na cidade", diz o secretário secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Tecnológico de Macaé, Cliton Santos. Ele critica uma alteração na regra dos royalties como a aprovada no Congresso. "Caso aprovada, a nova lei iria reduzir entre 30% a 40% do que recebemos. Além disso, teríamos que segurar todos os problemas que as cidades vizinhas teriam. Algumas delas têm quase 80% da arrecadação originária dos royalties”, diz.
Para José Luis, da UFF, a solução para dar conta da demanda seria uma nova política a ser praticada pelo poder público. “Só uma política extremamente competente, rigorosa, criteriosa, de bases técnicas e tecnológicas, de arrecadação de impostos municipais pode compensar, em parte, a perda dos royalties", diz. "O momento é oportuno, porque várias empresas estão se instalando e a prefeitura pode negociar em bases privilegiadas para o município, pois este hoje tem condições de suportar uma rede poderosa de empresas”, afirma.
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